0 O roubo

Hoje eu acordei e, pela primeira vez, pensei que felizmente chegou o meu dia de roubar. Levantei da minha rede e fui direto à rua. Logo, dei de cara com uma árvore e resolvi roubá-la. Roubei toda a tristeza que nela havia: folhas e galhos secos, sem vida. Deixei-a sorrindo como plateia de circo. Segui em frente, com aquela imensa vontade de roubar. Estava distraída, quando tropecei em um gatinho que parecia ter sido atropelado. Não pensei duas vezes: roubei. Trouxe para meu íntimo aquele sofrimento horrível e doloroso que ele sentia. Fiquei super rica com este assalto. Rica, mas não cheia de grana, e sim repleta de prazer, por ter conseguido salvar a vida de um inocente gatinho. Continuei minha trajetória. Andei mais cem quilômetros e avistei, sentado na calçada, sob o frio da madrugada, um simples mendigo. Fiquei observando, e de repente avistei a milagrosa bandeja de moedas que ele segurava. Resolvi roubá-la. Apanhei toda aquela tristeza, fome, frio e solidão que nele se denunciavam. Esse foi um dos melhores roubos praticados por mim, pois acabei deixando várias pessoas de um só sangue felizes. Andei mais, por entre alguns segundos, minutos, horas, momentos sem fim; foi quando ouvi um choro. Era um choro de tristeza, desespero e desconforto. Aproximei-me mais um pouco, e deparei-me com uma idosa, desesperada; ao seu lado havia um garoto, o qual parecia ser seu filho. Avistei dentre os dedos da criança um cigarro. Tenho que confessar também: sou muito viciada e não esperei nem mais um segundo. Agi rapidamente e roubei aquele vício demoníaco e constrangedor, nem tanto para o garoto, porém muito mais para a sua família. Fiquei super feliz. Daí em diante, dediquei-me diariamente a esta prática ilícita, que tanto me satisfaz. Porém, agora não sou mais aquela que rouba tragédias e tristezas, e sim a que toma de assalto prazeres, sorrisos, esperanças e amores para o meu criminoso coração.